Era um fim de tarde de um quase fim-de-semana no início dos anos setenta.
No Clube Nuno Álvares a entrada da Ponta da Ilha, guardamos a Maxi Puch e Kreidler e colocamos as nossas coisas no “Intrépido”, um pequeno veleiro de 4,50 mts, construído com base num plano inglês em casa do Marques. O Marques faleceu este mês na África do Sul, era um amigo do peito, um irmão.
Içamos as velas, eu e o Gennaro, e partimos em direcção a Ponta da Ilha, passando pela Marinha, pela Bufa, sempre com vento pela popa, até chegarmos ao farol, onde seguiríamos o rumo para a Ilha do Mussulo. Ainda hoje não entendo porque chamavam e chama Ilha do Mussulo, quando deveria ser chamada Península do Mussulo, mas adiante.
A “subida” para o Mussulo era feita a bolina, como rumo mais ou menos 224º e o nosso primeiro ponto de paragem seria as águas calmas da Baía do Mussulo, na zona dos veleiros. Eram cerca de 19 Kms em linha recta desde o farol da Ponta da Ilha.
Não tínhamos qualquer espécie de sinalização a bombordo e a estibordo e como sempre navegávamos em linha de vista com a costa, passando ao largo da Samba Pequena, Samba Grande, Corimba e depois era preciso encontrar o canal para entrar na “Barra do Mussulo”, o que de noite tornava a coisa mais complicada. Era preciso ter olho de “Visão nocturna” e ouvido de “tísico”. Era preciso saber ouvir a rebentação para não encalhar o “intrépido” e entrar pelo canal certo.
Era quase meia-noite quando chegamos a entrada da “Barra do Mussulo”, ouvíamos a rebentação, mas estava uma noite sem luar. O Gennaro foi para a proa do “Intrépido” com o petromax acesso e ouvidos atentos para entrarmos no canal sem bater por baixo, pese embora o “Intrépido” ter um patilhão móvel, para dar instruções da direcção a tomar. A rebentação ouvia-se perfeitamente, mas a mudança de direcção do vento, ajuda a entrada ao longo da rebentação, já que navegamos ao “largo” em direcção à terra, ao Cais do Kapussoca. O vento aumenta de intensidade, devido a diferença de amplitudes térmicas de mar para terra e veloz o “Intrépido” desliza sobre as ondas, em busca do canal que enche e vaza a longa Península. Vamos deixando de ouvir a rebentação e a experiência e o conhecimento diz-nos que estamos a entrar no canal. Inflectimos para estibordo e apontamos para o Bar de Mussulo. Lançamos a âncora na zona da pequena baía e fomos dormir.
Amanhece muito cedo e a luz do sol entrava pelas escotilhas do “Intrépido”, o despertar é rápido e um mergulho nas águas calmas da baía, fazia o resto, seja o despertar total. Nadamos para terra, fomo comprar pão e partimos logo de seguida para a zona do Morro dos Veados, pois era importante “subir” com a maré a encher, pois nem era preciso velas, já que a velocidade de água no canal levava-nos.
Chegamos a Ilha do Desterro a hora do almoço. A Ilha do Desterro era muito pequena e tinha uma construção de paredes brancas e um telhado em mau estado, estava em pleno abandono. Demos uma volta para recolha de lenha e grelharmos umas postas de peixe espada que tínhamos apanhado entretanto lançando uma amostra na popa do barco.
Passamos ao largo da Ilha dos Pássaros em direcção à Baía do Morro dos Veados, para passarmos a noite. Continuamos com a pescaria e chagamos ao meio da tarde ao Morro dos Veados.
Era uma calmaria do caraças, mar chã, sem ondas, parecia um espelho de água brilhante. A água era quente e cheia de micro-organismos ou plâncton, originando nos mergulhos e quando nadávamos à noite um rasto de cristais fluorecentes, que nos levava num vai e vem de mergulhos.
O regresso a Luanda 4 dias depois foi rápido com a maré a descer e vento pela popa até ao farol da Baía de Luanda……
Dizem que recordar, faz bem a alma e que partilhar as nossas vivências, experiências e aventuras, nos ajudam a reforçar as nossas amizades e o “Intrépido”, vai sempre fazer parte da minha vida, pois deu-me muitas aventuras para contar, nos seus 4,50 metros de comprimento.
Fui, com diria o 100 Rumo ou 100 Azimutes….
Inté.