FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS – 10.º

Não era uma tarde como as outras, esta era diferente, por tudo o que poderia acontecer nessa noite. As emoções eram muito fortes, para não dizer explosivas. A morte pairava no ar e a qualquer momento podia rebentar  uma sangrenta Guerra Civil, assim mesmo com maiúsculas, porque seria muito grande.

Nessa tarde do dia 10 de Novembro de 1975, tudo iria mudar, iria nascer um País novo, em que aqueles que por lá ficaram tinham tomado a decisão de o ajudar a crescer. Mais tomaram a decisão de ter uma Pátria nova e porque não? se tinham por lá nascido e crescido.

A meio da tarde, quando da janela do meu Gabinete na Marginal de Luanda, observei os movimentos de descarga de material bélico, maior foi a minha apreensão, a que se juntava um presumível ataque aéreo da cidade de Luanda, pela FNLA, com aviação sul-africana.

Os momentos de tensão eram visíveis e um pouco depois do final da tarde a velha Fragata Capelo Ívens, vai para o Largo e não espera pela meia-noite.Com uma despedida de triste memória e sem glória, com era devido a todos.

A noite corre calma, com tiros de metralhadora para o ar, mas nada que não se admita. Assim, decido descer a Brito Godins e dirigir-me  ao Palácio Presidencial, para festejar a Independência.

Lembro-me de estar num mar de gente em euforia e de ter subido para uma árvore, junto ao Mirador sobre a Baía. Aguentei quase até ao fim e depois a pé regressei a casa só e com algum receio, num passo apressado. Ao chegar ao cruzamento da Saratoga, perto do Kinaxixe, a coisa complicou-se, as bocas e os insultos subiram de tom e nada melhor que recolher a casa, que ficava ali próximo. O tiroteio aumenta, as milícias tomam conta das operações e nada melhor que dormir esssa noite na casa de banho, que era interior.

No dia seguinte, a vida voltou a normalidade, até que a Guerra Civil violenta, dura, sanguinária, quase destrói o País, rebenta com famílias e separa os amigos.

Temos de entrar no espírito revolucionário dos Comités de Rua, de Bairro de Serviço e tudo se aceita na normalidade, porque todos, mas todos, deviam o exemplo, fosse Ministro ou trabalhador, novo ou velho, Simão Toco ou Jesuíta, todos

Mas, como em tudo há contratempos que a razão da Guerra desconhece e nos fazem tomar decisões que, hoje passados estes anos todos, me fazem questionar, aonde pertenço, de que terra sou, que País mereço, se o mereço……..

“Quando o avião levantou voo e fez a curva para a direita tive a noção exacta que seria a última vez que veria a minha Terra, Terra em que tinha nascido e por opção Terra que queria ajudar a crescer.”