Boas.
Andava à procura de uns velhos mapas de Marrocos da General Tyre com uns 20 anos, quando encontrei o meu Diário da Expedição Lisboa/Luanda. Li e reli todas as notas e aqui vai uma das mais duras provas a que o Sahara nos submete. Poupamos tudo, desde água, comida, tempo, palavras e até a conversa, só se aprecia e sonha, quando não dá a “borra”.
No dia 23 de Março de 1993, depois de umas peripécias na passagem da fronteira entre Marrocos e a Argélia de mais de 26 horas, com passagem por Tlemecen e pelo Oásis de Ghardaia onde pernoitamos, o pessoal que já tinha um atraso de mais de 2 dias em relação ao programa, queria era basar e entar no Deserto do Sahara até Tamanrasset e depois o Deserto do Teneré via Tin Zouatine.
Cada 4×4 tinha para além do depósito normal, outro igual adicional e mais 6 jerricans de 20 litros, já que a Travessia era dura e sem reabastecimentos entre El Golea e Tamanrasset. A Travessia seria feita pelo deserto, com cartografia, bússola e um Mapa Michelin.
Lembro-me que ao cair da tarde, reabastecemos em El Golea e de imediato a caravana inflectiu na perpendicular à estrada cerca de 30 a 50 kms até entrar numas dunas onde acampamos já de noite. Os carros iam chegando a conta gotas já que havia pessoal “perdido”. Foi preciso colocar um rotativo para o pessoal ter um ponto de referência.
A janta foi rápida e a dormida ao ar livre, em sacos de dormir, qual escorpiões, ninguém se lembrou de tal, tão grande era o cansaço.
Ao nascer do sol, a caravana arranca em marcha acelerada e o prazer de estar a rolar no Deserto do Sahara era estimulante. Era uma loucura, mas, foi sol de pouca dura, já que uma tempestade de areia, quebrou a caravana. Foi-nos dito que em caso de problemas o ponto de encontro seria em Hassi Bell Guebour.
E assim foi, com a caravana partida em dois ou mais grupos, fomos obrigados a reagrupar em Hassi Bell Guebour. Era um lugar com uma rua de 100 mts asfaltada e uma pequena “Tasca”, com um furo no exterior com água sulfurosa, que nem para lavar a cara servia. Mandamos matar uma cabra e o pessoal jantou qualquer coisa, o que já não foi mau para o local.
Foi um espera longa até reagrupar o pessoal todo, já que uns quando entraram na estrada viraram à direita e não à esquerda e isso complicou o reagrupamento.
No dia 26 de Março, como o atraso já era enorme, decidimos ir por asfalto até ao cruzamento Des 4 Chemins, tomando aí uma Pista Proíbida pelo exército de 300 kms de uma dureza demolidora para os carros e para o pessoal. O piso era umas vezes pedra solta, outras vezes “toulet_ondulé”, em que os carros tinham de ir a grande velocidade para “voar” sobre a ondulação do terreno. Encontramos e visitamos as ruínas de um velho forte francês da Legião Estrangeira abandonado. Havia ainda restos de peças de automóveis e pouco mais.
Cerca de 130 kms depois, quando a caravana ia em bom andamento e a uma excelente média, vê-se no horizonte o que se chama “Uma Grande Tempestade de Areia”. Em minutos a poeira e o pó era tanto que a caravana parou de imediato. Não se via nada, zero, os carros estavam encostados uns aos outros e o pessoal dentro deles.
Alguém veio conferir os carros e as motas e verificou que faltava um UMM. O pessoal dentro dos carros, não se mexia e tentava proteger os olhos, o nariz e a boca. Engolia-se areia, comia-se areia, respirava-se areia, era areia por todo o lado.
Mas a preocupação era o UMM e o pessoal que ia dentro dele, mas uma das regras de circular no deserto para além da usual, de nunca deixar de ver a viatura no retrovisor, é em caso de tempestade de areia, em caso de deixar de ver o outro veículo é ficar quieto, parar e não mexer e esperar por alguém da caravana. E foi isso que PC fez, ficou quieto a uns 100 mts dos outros carros, mas não se via.
O resto da manhã, a tarde, a noite e parte da manhã do dia 27, foi passada dentro do UMM. Só a meio da manhã do dia seguinte é que a tempestade amainou e o pessoal se reencontrou. Depois exaustos seguimos em caravana cerrada até a um acampamento algures no Sahara, perto de Amiguid, que me lembre.
Esta foi uma das experiências mais marcantes da minha vida de aventureiro, de uma “Viagem de onde ainda não regressei”.
Fiquem bem.
Inté.